domingo, 16 de junho de 2013

Carta Aberta

Agora você pode ter certeza: não volta. O beijo não dado tem mais sentido. O abraço guardado não tem mais motivo. O palavrão engolido não quer dizer mais nada. Não Volta, você cansou de ouvir, mas só agora pode ter certeza. A chuva nunca mais fez o mesmo desenho no vidro. O mar nunca mais a mesma pose para a fotografia. Sua música preferida só tocou no momento certo daquele dia. O poema deixado para depois, hoje, não vale mais nada. Há rimas que mofam. Que perdem o significado. Consegue entender? agora , acredita? não era auto ajuda barata. Previsão de cigana mentirosa. Horóscopo de jornal vagabundo. Conselho de velho morrendo. Carta falsa de tarô. Não volta mesmo. e espero que na cópia desta mesma carta a ser aberta, novamente, daqui a dez anos, seja menor o arrependimento. Estão lacrados os próximos envelopes. Lambidos. Selados. trancados, mas eu já aviso: dentro deles, o mesmo texto. Não volta - Tatue no braço. Grude post-it. Escreva com carvão nas paredes. Com as unhas compridas arranhando a terra: Histórias de verdade não se rebobinam.



terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cuidado com o que ouvem


“Vigilância epistêmica” é a preocupação que todos nós devíamos ter em relação a tudo o que lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados. Significa não acreditar em tudo o que é escrito e é dito por aí, inclusive em salas de aula. Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro, que nunca há uma segunda intenção do interlocutor, é viver ingenuamente, com sérias conseqüências para nossa vida profissional. Existe um livro famoso de Darell Huff chamado Como Mentir com Estatísticas, que infelizmente é vendido todo dia, só que as editoras não divulgam para quem. Cabe ao leitor tentar descobrir.

Vigilância epistêmica é uma expressão mais elegante da aquela palavra que todos nós já conhecíamos por “desconfiômetro”, que nossos pais nos ensinaram e infelizmente a maioria de nós esqueceu. Estudos mostram que crianças até 3 anos de idade são de fato ingênuas, acreditam em tudo que vêem, mas a partir dos 4 anos de idade percebem o que não devem crer. Por isso, crianças nessa idade adoram mágicas, ilusões de óticas, truques. Assim, elas aprenderão a ter vigilância epistêmica no futuro.

Lamentavelmente, muitos acabam se esquecendo disso na fase adulta e vivem confusos e enganados, porque não sabem mais o que é verdade ou mentira.

Nossa imprensa infelizmente não ajuda nesse sentido; ela também não sabe separar o joio do trigo. Hoje, o buscador eletrônico de informações na rede mundial Google indexa tudo o que encontra pela frente na internet, mesmo que se trate de uma grande bobagem ou de uma grande mentira. Qualquer “opinião” é divulgada pelos quatro cantos do mundo. O Google não coloca nos primeiros lugares os sites da Universidade de Oxford, Cambridge, Harvard ou da USP, supostamente instituições preocupadas com a verdade. In Veritas é o lema de Harvard. O Google não usa sequer como critério de seleção a “qualificação” de quem escreve o texto no seu algoritmo de classificação Ph.Ds, especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete pesquisado aparecem muitas vezes  na oitava página classificada pelo Google.

Avaliem o efeito disso entre a nossa cultura e a nossa sociedade em longo prazo.

Todos nós precisamos estar atentos a dois aspectos com relação a tudo o que ouvimos e lemos:

·         Se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto é um especialista comprovado, pesquisou ele próprio o tema. Sabe do que está falando ou é no fundo um idiota que ouviu falar e simplesmente está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada.
·         Se o autor está deliberadamente mentindo.
Aumentar a nossa vigilância Epistêmica  é uma necessidade cada vez mais premente num tempo que todos os gurus chamam de “Era de Informação”.

Discordo profundamente desses gurus, estamos na realidade na “Era da Desinformação”, de tanto lixo e “ruído” sem significado científico que nos são transmitidos diariamente por blogs, chats, podcasts e internet, sem a menor vigilância epistêmica de quem os coloca no ar. É mais uma conseqüência dessa visão neoliberal de que todos têm liberdade de expressar uma opinião, como opiniões não precisassem de rigor científico e epistemológico antes de ser emitida.

Infelizmente, nossas universidades não ensinam epistemologia, aquela parte da filosofia que nos propõe indagar o que é real, o que dá para ser mensurado ou não, assim por diante.

Embora o ser humano nunca tenha tido tanto conhecimento como agora, estamos na “Era da Desinformação” porque perdemos nossa vigilância epistêmica. Ninguém nos ensina nem nos ajuda a separar o joio do trigo.

Foi por isso que as “Elites” intelectuais da França, Itália e Inglaterra no século XIV criaram várias universidades com catedráticos escolhidos criteriosamente, justamente para servir de filtros e proteger suas culturas de crendices, religiões oportunistas e espertos pregando mentiras.

Há 500 anos nós, professores titulares, livres-docentes e doutores, nos preocupamos com o método científico, a análise dos fatos usando critérios científicos, de lógica, estatísticas de todos os tipos, antes de sair proclamando “Verdades” ao grande público. Hoje, essa elite não é mais lida, prestigiada, escolhida, entrevistada nem ouvida em primeiro lugar. Pelo contrário, está lentamente desaparecendo, com sérias conseqüências.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Utopia sufoca a educação de Qualidade


Um dos males que assolam nossa educação é a esperança vã de pensadores e legisladores de que uma escola que mal consegue ensinar o básico resolva todos os problemas sociais e éticos do país. Eles criaram um sistema com um currículo imenso, sistemas de livros didáticos em que o objetivo até das disciplinas cientificas é formar um cidadão consciente e tolerante. Responsabilizaram a escola pela formação de condutas que vão desde a preservação do meio ambiente até os cuidados com a saúde; instituíram cotas raciais e forçaram as escolas a receberem alunos com necessidades especiais. A agenda maximalista seria uma maneira de sanar desigualdades e corrigir injustiças. O Brasil deveria questionar essa agenda.

Primeira pergunta: nossas escolas conseguem dar conta desse recado? A resposta é, definitivamente, não. Estão ai todas as avaliações nacionais e internacionais mostrando que a única igualdade que nosso sistema educacional permite é conseguir atingir é o ser igualmente péssimo. Copiamos o ponto final de programas adotados nos países europeus, sem termos passados pelo desenvolvimento históricos que lhe dá sustentação.

Segunda pergunta: esse desejo expansionista faz bem ou mal ao nosso sistema educacional? Será um caso em que mirar no intangível ajuda a ampliar o alcançável ou, pelo contrário, a sobrecarga faz com que a carroça se mova ainda mais devagar? Acredito que seja o último. Por várias razões. A primeira é simplesmente que essas demandas todas tornam impossível que o sistema tenha foco. Perseguir todas as idéias que aparecem – mesmo que sejam todas nobres e excelentes – é um erro. Infelizmente, a maioria dos nossos intelectuais e legisladores não tem experiência administrativa, e acredita ser possível resolver qualquer problema criando uma lei. No confronto entre intenções e realidade, a última sempre vence. A segunda razão para preocupação é que, uma agenda tão extensa e bicéfala – formar um cidadão virtuoso e o aluno de raciocínio afiado e com conhecimentos sólidos -, sempre é possível dizer que uma parte não está sendo cumprida porque a prioridade é a outra: o aluno é analfabeto, mas solidário, entende? (com vantagem de que não há nenhum índice para medir solidariedade.) E, finalmente, porque quando as intenções ultrapassam a capacidade de execução do sistema o que ocorre é que o agente – cada professor ou gestor escolar – vira um legislador, cabendo a ele o papel de decidir quais partes das inatingíveis demandas vai cumprir. Uma medida que deveria estimular a cidadania tem o efeito oposto: incentiva o desrespeito à lei, que é a base fundamental da vida em sociedade.
Terceira Pergunta: mesmo que todas essas nobres intenções fossem exeqüíveis, sua execução cumpriria as aspirações de seus mentores, construindo um país menos desigual? Eu diria que não apenas não cumpriria esses objetivos como iria à direção oposta. Deixe-me dar um exemplo inserido no currículo do ensino médio – música, sociologia e filosofia. A lógica que norteou a decisão é que não seria justo que os alunos pobres fossem privados dos privilégios intelectuais de seus colegas ricos. O que não é justo, a meu ver, é que a adição dessas disciplinas torna ainda mais difícil para os pobres se equiparar aos alunos mais ricos nas matérias que realmente vão ser decisivas  em sua vida. A desigualdade entre dois grupos tende a aumentar. A triste realidade é que, por viverem em ambientes mais letrados e com país instruídos, os alunos de famílias ricas precisam de menos horas de instrução para se alfabetizar. É pouco provável que um aluno rico saia da 1ª série sem estar alfabetizado, enquanto é muito provável que um aluno pobre chegue a 3ª série nessa condição. O aluno rico pode, portanto, se dar ao luxo de ter aula de música. Para nivelar o jogo, o aluno pobre deveria estar usando essas horas para se recuperar do atraso, especialmente nas habilidades básicas: português, matemática e ciências. É o domínio dessas habilidades que será cobrado quando ingressar no mercado de trabalho e na vida profissional. Se esses pensadores querem a escola como niveladora de diferenças, se a diferença que mais impacta a qualidade de vidas das pessoas é a de renda, e se a fonte principal de renda é o trabalho, então precisamos de um sistema educacional que coloque ricos e pobres em igualdades de condições para concorrer no mercado de trabalho. O que por sua vez, presume uma educação desigual entre pobres e ricos, fazendo com que a escola dê aos primeiros as competências intelectuais que os últimos já trazem de casa. Estou argumentando baseado em uma única lógica supostamente de esquerda (digo supostamente porque, nesse caso, é transparente que as boas intenções dos revolucionários de poltronas só aprofundam as desigualdades que pretendem diminuir).

O Mercado de trabalho valoriza mais as habilidades cognitivas e emocionais não porque os nossos empregadores sejam mesquinhos, mas porque, em um mercado competitivo, precisam remunerar seus trabalhadores de acordo com a sua produtividade. Essa é a lógica inquebrantável do sistema de livre iniciativa. Não adianta pedir ao gerente de recursos humanos que seja “solidário” na hora da contratação e leve em conta que os candidatos à vaga vêm de origens sociais diferentes, porque, se o recrutador selecionar o funcionário menos competente, o mais certo é que em breve ambos estejam solidariamente no olho da rua. Não conheço nenhum estudo que demonstre o impacto de uma educação filosoficamente inclusiva sobre o bem-estar das pessoas. Mas, há vários estudos empíricos sobre as desigualdades no Brasil. O que neles informam é assustador: O fator número 1 na explicação das desigualdades é, de longe, desigualdade educacional. Ao criarmos uma escola sobrecarregada com a missão de não apenas formar o brasileiro do futuro, mas corrigir as desigualdades de 500 e poucos anos de história. Nós nos asseguramos de que ela se tornará um fracasso. A escola não pode fracassar, pois é alavanca da salvação do Brasil.


O tipo de escola pública que queremos é uma discussão em última estância política, e não técnica. É legítimo, embora estúpido, que a maioria dos brasileiros prefira uma educação que fracassem em ensinar a tabuada, mas ensine bem a fazer um pagode. Acrescento apenas uma indispensável condição: que a população seja informada, de modo claro e honesto sobre as conseqüências de suas escolhas. Quais as perdas e os ganhos de cada caminho. O que é, aí sim, antidemocrático e desonesto é criar a ilusão de que não precisamos fazer escolhas, de que podemos tudo e de que conseguiremos obter tudo ao mesmo tempo, agora. Infelizmente, é, exatamente isso que vem sendo tentado. Nossas lideranças se valem do abissal desconhecimento da maioria da população sobre o que é uma educação de excelência para vender-lhe a possibilidade do paraíso terreno em que professores despreparados podem formar um novo homem e o profissional de sucesso. Essa utopia, como todas as outras, acaba em decepção e atraso. Essa pretensa revolução, como todas as outras, termina beneficiando apenas os burocratas que a implementam.


sábado, 5 de maio de 2012

Amour cruel, comme en duel
dos à dos et sans merci
tu as le choix des armes
ou celui des larmes
penses-y, penses-y
et conçois que c'est à la mort à la vie"

sábado, 7 de janeiro de 2012

Amor

Há tanto tempo não usado, encontrei o amor, sem querer. Ontem jogado embaixo da cama. Empoeirado. Sem caixa, bula, manual. Um amor, assim, abandonado. Sujo. Rasgado. Fóssil soterrado. Navio afundado há anos. Casarão com tábuas pregadas nas janelas. Lençóis brancos sobre os móveis. Um amor acostumado com o escuro. Com o frio do quarto fechado. Com a passagem rápida de um inseto no meio da madrugada. Um velho amor largado, pronto para ser reciclado. Procurado por toda casa nos lugares errados. Nos armários limpos. Entre taças, louças. Dentro de caixas fechadas com laços. Sob tapetes varridos. Cantos desinfetados. Um amor chamado no grito. No gemido da febre. No cochicho da oração.um amor sumido. Necessitado. Um amor que apareceu quando quis. De repente. Em um lugar inesperado. Há tanto tempo não usado, eu, ontem, tropecei no amor. Empoeirado. Sujo. Rasgado. Abandonado debaixo da cama. Um amor que talvez nem funcione mais.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Rancores

Coleciono rancores. Desejos coisas ruins, Cuspo na maioria dos pratos que já mataram minha fome. Gosto da Inveja, da cobiça, de planos mirabolantes para destruir o que precisa ser derrubado. As peças inúteis que obstruem caminhos no tabuleiro onde sobrevivo. Eu: acho o amargo o melhor que o doce. A vingança mais sábia do o perdão. O Olho por olho mais justo do que a inocência ridícula da compaixão. Eu falo trás esquentando orelhas. Beijos faces indigestas com a doçura de Judas. Escondo raiva atrás dos silêncios, o ódio debaixo dos sorrisos. As facas afiadas nas mãos de trás. Há anos envio buquês que escondem plantas carnívoras. Cartas com artefatos explosivos. Flores de mentira que expiram água no meio das caras. Gosto da umidade das cavernas. Do escuro dos quartos fechados. Do silêncio das ruínas. Do Vazio das gavetas mofadas. Eu: preciso do sossego do meu ninho. Das outras cobras perigosas. Eu: se for cutucado, aviso: não há antídoto para o meu tipo de veneno.

sábado, 13 de agosto de 2011

Postishead

nada mais anos 90 do que glory box, do portishead. Algo que anunciava uma nova sensibilidade, meio biônica, enxerto de circuitos em um espírito de abandono, com o efeito de uma onda de melancolia.

a voz quente de beth gibbons humanizava aquele lamento tristíssimo.

ela tinha um ar trágico, o equivalente ao que karen carpenter tinha sido nos anos 70 para a gente. “aquele tipo de voz de background que era usado nos filmes de Hollywood dos anos 30", escreveu um jornal gringo da época.

"não seria surpresa se ela em breve estivesse trabalhando com David Lynch”, escreveu o Independent.

na contracapa do primeiro disco solo dela, out of season, eu anotei o seguinte: "um homem anônimo olhando para uma paisagem na qual se destaca um velho ancoradouro semi-submerso, tudo permeado por uma névoa de ferrugem".
em 2003, ela e k.d.lang dividiram uma mesma noite no extinto TIM festival.

O que foi dito:

A despojada Beth Gibbons, de calça jeans com jeito de muito usada e blusinha preta, foi a primeira a cantar, acompanhada de uma banda com 6 músicos, tendo à frente o baixista, violonista e guitarrista Paul Webb, o Rustin’ Man. Webb, homem multimeios (que chega a fazer um slide na guitarra com um alicate), pilota o conceito híbrido da música de Beth, que envolve o uso da tecnologia entrelaçado com recursos acústicos e a intermediação de uma voz delicadíssima (mas também potente, quando ela quer).

Beth toca violão e também teclados (em Show, a última canção do seu set) e move-se com dificuldade pelo palco, insegura, arqueada, tímida, quase constrangida. Em contraponto, torna-se outra pessoa quando assume o microfone, fazendo pontes entre acordeãos, flautas, bandolins e guitarras. Sua música parece ser de lugar nenhum: às vezes soa como uma trilha de algum western spaghetti; outras vezes é um assalto instrumental que finge placidez e torna-se sem aviso prévio uma avalanche sonora. É moderna, cheia de recursos, mas carrega consigo a melancolia de séculos.