segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A Cegueira

No filme "O homem dos olhos de raios-x", filme B antigo que vi na infância e nunca esqueci, o personagem de Ray Milland descobria uma substância científica (leia-se poção mágica) que ampliava a visão. Experimenta em um pequeno macaco, que enlouquece e morre. Torna-se ele próprio cobaia, e sua visão vai aos poucos atravessando progressivas camadas da realidade. Ao prazer de ver através das roupas femininas se segue a angústia de enxergar apenas esqueletos, depois sequer isto. Ao final do filme, entra cambaleando em uma igreja onde um daqueles pastores americanos típicos prega, e este lhe pergunta o que vê. A resposta: meu olho passa através de tudo, não é parado por nada, até o centro de tudo... e ali está o nada mais terrível. O personagem não quer ver o que vê. O pregador e sua congregação insistem biblicamente: se teu olho te ofende, arranca-o. Ray Milland abaixa a cabeça, e ao levanta-la, na última imagem do filme, o sangue corre de suas órbitas como lágrimas.

Assim como o ver demais anula a visão, a cegueira também pode ser entendida como uma visão a mais, como um mais-de-ver, perigoso, enlouquecedor, tentador e edípico. A pupila do olho é um buraco negro que espelha outra escuridão, aquela de onde viemos, e que nos é proibido devassar mas que fascina. O buraco do nascimento, a partir do qual surgimos para a luz, e o buraco pelo qual esta luz penetra são homólogos em algum ponto do imaginário. Há imagens, como em Ernesto Sábato, da vagina como um olho a ser perfurado, e dos cegos como uma confraria envolta em conspirações maléficas, aqueles a quem é dado acesso à visão do inferno. O terror do mais-de-ver da cegueira faz perfeito sentido. Se quando estamos cegos vemos no inconsciente, o que há para se ver aí?

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