sábado, 13 de agosto de 2011

Postishead

nada mais anos 90 do que glory box, do portishead. Algo que anunciava uma nova sensibilidade, meio biônica, enxerto de circuitos em um espírito de abandono, com o efeito de uma onda de melancolia.

a voz quente de beth gibbons humanizava aquele lamento tristíssimo.

ela tinha um ar trágico, o equivalente ao que karen carpenter tinha sido nos anos 70 para a gente. “aquele tipo de voz de background que era usado nos filmes de Hollywood dos anos 30", escreveu um jornal gringo da época.

"não seria surpresa se ela em breve estivesse trabalhando com David Lynch”, escreveu o Independent.

na contracapa do primeiro disco solo dela, out of season, eu anotei o seguinte: "um homem anônimo olhando para uma paisagem na qual se destaca um velho ancoradouro semi-submerso, tudo permeado por uma névoa de ferrugem".
em 2003, ela e k.d.lang dividiram uma mesma noite no extinto TIM festival.

O que foi dito:

A despojada Beth Gibbons, de calça jeans com jeito de muito usada e blusinha preta, foi a primeira a cantar, acompanhada de uma banda com 6 músicos, tendo à frente o baixista, violonista e guitarrista Paul Webb, o Rustin’ Man. Webb, homem multimeios (que chega a fazer um slide na guitarra com um alicate), pilota o conceito híbrido da música de Beth, que envolve o uso da tecnologia entrelaçado com recursos acústicos e a intermediação de uma voz delicadíssima (mas também potente, quando ela quer).

Beth toca violão e também teclados (em Show, a última canção do seu set) e move-se com dificuldade pelo palco, insegura, arqueada, tímida, quase constrangida. Em contraponto, torna-se outra pessoa quando assume o microfone, fazendo pontes entre acordeãos, flautas, bandolins e guitarras. Sua música parece ser de lugar nenhum: às vezes soa como uma trilha de algum western spaghetti; outras vezes é um assalto instrumental que finge placidez e torna-se sem aviso prévio uma avalanche sonora. É moderna, cheia de recursos, mas carrega consigo a melancolia de séculos.

Luzes da Cidade

Esta é uma cidade muito doida.
Debaixo dela e nas beiradas dela corre um esgoto fabuloso.
Acima dela, os bares jorram um chope sedoso, o calor de 34 graus é espantado por galerias de ar-condicionado eterno. Até nas bancas de jornal tem ar-condicionado. Mulheres fantásticas entram e saem do bar a todo momento, e uma delas que está sentada numa mesa grande, sozinha, me deixa ver sua calcinha generosamente, deliberadamente.
A garota sarada toma suco de limão e come salada.
A gordinha vai à calçada fumar de 10 em 10 minutos e acabou de comer bisteca com polenta.
Terceiro chope e a mina já tá trançando. Continua com seu show off Broadway particular, já tirou a calcinha. Eu conto os trocados no bolso e preparo a retirada. Antes que ela tenha ideias.
Não consigo deixar de pensar que debaixo de nós corre um esgoto fabuloso, essa é a ideia que mais me assombra enquanto chego à estação.

O foda do metrô são essas batidas policiais. Estou na Estação Trianon-Masp quando entram os tiras, empurrando quatro pitbulls eletrônicos. Passam os aparelhos em todo lugar, nas botas do punk, na sacola de pão da velhinha, no meu laptop. Procuram drogas. As máquinas caninas substituem os antigos pastores alemães viciados das alfândegas do século 20, que cheiravam malas em aeroportos. É um software que reproduz a sensibilidade das células do epitélio nasal dos cães. A geringonça que resultou disso parece uma raposa mecânica, com uma bola na ponta do nariz metálico, lubrificada sei lá com o quê, mas que pinga nas coisas da gente - apostila, bolsa, hambúrguer, o que você estiver segurando -, como se fosse um cachorro resfriado. Essa merda cheira até 100 vezes mais do que um nariz humano.
A coisa passa por mim e me dá um calafrio, e o polícia com um rayban gigante e barba por fazer quase pisa no meu pé. O aparelho detecta alguma coisa na bolsa de escola de um moleque de uns 15 anos, provavelmente 'canabissaris', uma maconha alterada quimicamente, e eles o arrastam para fora do metrô. Seus gritos desesperados ainda ecoam no vagão quando chego na Estação Clínicas. Desço e passo pelas cabines Sexo Limpo. Foram instaladas aqui pelo Prefeito há um ano, o cara que se diz socialista. A prostituição é braba, ele resolveu fazer o mesmo que fazem em Amsterdã com os junkies. As moças de vida fácil podem fazer o serviço nas cabines, custa 1,50. Mas deveriam fechar as portas. Passo e olho inadvertidamente para dentro. O sujeito lá está batendo com força na cabeça da mulher que está agachada abraçada a sua cintura. É pancada de derrubar um boi, mas ela não interrompe o serviço. Sigo em frente.

Às vezes eu me reconheço em homens muito feios na rua. Nem sou essa ruína, mas estou em algum estágio a caminho daquilo, eu penso. O rosto parece ir derretendo aos poucos, as bochechas caem, os lábios pendem, como um boneco de cera perto de uma caldeira. Não se vê mais contornos nos olhos, eles estão embaralhados. Os dentes de baixo corroídos e protuberantes lembram os de um pequinês.

Minha Bela Putana


Onde você quer ficar?
Ficou olhando o vazio. Quando atingimos a Afonso Pena, agitou os cabelos e
deu o endereço. Uma boate vadia. Subimos pela Rua da Bahia. Ia encolhida no
assento como se estivesse sentindo frio. Perguntei se não seria melhor ficar
em casa, eram quase cinco da manhã. Sacudiu os ombros.
Parei o carro bem na porta da boate. Antes de descer, ela falou:
Vai me deixar aqui sozinha?
Repeti que precisava ir. Bateu a porta com força e, com seu vestido de
índia, caminhou resolutamente para dentro da boate.
Segui pela Cristóvão Colombo, e logo adiante o novo dia começava a rastejar
atrás da serra. Eu pensava na mulher dentro daquele vestido de índia.
Pensava nela toda e dizia pra mim mesmo vai embora vai embora. Dei a volta
no primeiro cruzamento.
A boate estava vazia e tinha o aspecto gasto e melancólico do fim de noite.
Encontrei-a conversando com um idiota no balcão. Assustou quando me viu e
largou o cara na mesma hora. Atravessou a pista de dança com o andar
silvestre de uma gazela.
Não quero que você queime esse vestido – falei.